terça-feira, agosto 7

atalhos pessoais

Naquele escritório abafado o relógio já marcava a sete e o tempo acinzentado daquele Verão batia contra as janelas no embalo das buzinas que tornavam a hora de ponta interminável.
Sentia-se escorregar pela cadeira e olhava ao longe a ponte ("a ponte é uma passagem, para a outra margem" já dizia a canção ). Que invulgar, sentia-se cansado como se uma espécie de bigorna tivesse caído a pique em cima de si, como se vê nos desenhos-animados e, no entanto, seria precisamente ali que passaria o fim-de-semana. Sim, já estava decidido. Ficaria ali nas horas mortas dos dias de descanso. Um hotel era demasiado caro e afinal de contas, ali tinha tudo o que lhe bastaria para duas noites; uma máquina de café, um sofá para pernoitar e o snack-bar do outro lado da rua para as ocasionais refeições.
Os miúdos pensariam que estaria num qualquer-congresso-do-costume e Inês teria tempo de pensar. Pensariam os dois no futuro. A insustentabilidade dos últimos meses tinha-se tornado demasiado invasiva e 72 horas de distância surgiam como única solução.

Entrei para a limpeza das nove e vi um homem adormecido no sofá do hall do quarto andar. Tive a certeza que era o Bernardo Amorim que a porta me anunciava todas as noites. Não o quis acordar e ao fim de uma hora e de terminada a tarefa, decidi deixar-lhe as poucas bolachas que trazia comigo na mala, supondo que ali permaneceria e que certamente a dado momento da noite precisaria de enganar a fome.
Acordou num susto. Sem saber como se justificar, observou-me apreensivo e assim permanecemos aquilo que me pareceram longas horas.

Hoje é o nosso décimo segundo aniversário de casados. Casados não, que odeio cerimónias. Doze anos de partilha.
A Inês ficou com os miúdos e há pouco mais de três anos voltou a casar. Damo-nos todos muito bem, obrigada, somos uma grande família.

Parabéns, meu amor. Venham mais doze.

7 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom! Devo salientar sobretudo a cadência melódica das palavras e o encadeamento subtil das personagens. Sem esquecer, claro está, a beleza em si das próprias pelavras. É um conto interessante, cinematográfico e muito contemporâneo. Parabéns!

polegar disse...

que bom, que bom!

já tinha saudades de te ler assim
:)

Filipe Gouveia de Freitas disse...

Quero mais!

nana disse...

gostei tanto... já tinha saudades da tua escrita.

x

Pulsante disse...

...soul footprints..

P.A. disse...

parabens a ti, doce colherzinha..fizeste-me entrar neste atalho pessoal com um coração apertado de saudade.
espero-te bem e quero ver-te...

tb tenho bolachas conforto p partilhar contigo!

até já

Custódia C. disse...

Que coisa linda de se ler ....